quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O significado dos paradoxos

Vários exemplos na literatura e na pintura, como os quadros do pintor belga René Magritte e os desenhos do holandês M. C. Escher (eis um exemplo ao lado), fazem uso da noção de auto-referência e de seu caráter paradoxal como elemento de estilo. Numa passagem do “Ulisses” de James Joyce, por exemplo, uma das personagens centrais, Molly Bloom, questiona o próprio autor.
Um dos mais simples, e provavelmente o mais antigo, dos paradoxos lógicos é o “Paradoxo do Mentiroso”, formulado por um pensador cretense do século VI A.C., Epimênides, que dizia: “Todos os cretenses são mentirosos”.

(...) A versão de Epimenides figura na Bíblia, tornando a lógica a única disciplina com referência bíblica: “Os cretenses são sempre mentirosos, feras selvagens, glutões preguiçosos”, adverte a epístola de São Paulo a Tito (1:12-13), chamando a atenção para o fato de que o próprio cretense Epimênides o afirma.

O paradoxo do mentiroso na versão de Eubulides (na forma “Eu estou mentindo” ou “Esta sentença é falsa”), longe de ser uma simples banalidade do pensamento, está ligado, (...), a um dos teoremas mais profundos do pensamento lógico e matemático, o Teorema de Gödel, formulado em 1936.

Pode parecer que a auto-referência é a causa destes paradoxos; contudo, a auto-referência, por si mesma, não é nem sempre responsável pelo caráter paradoxal das asserções, nem mesmo suficiente para causar paradoxos: por exemplo, se um cretense afirma “Os cretenses nunca são mentirosos”, ou se Eubulides afirma “Não estou mentindo” estas afirmações auto-referentes são apenas pretensiosas.

Por outro lado, mesmo que abolíssemos a auto-referência não eliminaríamos os paradoxos: por exemplo, um paradoxo conhecido desde a época medieval imagina o seguinte diálogo entre Sócrates e Platão:
Sócrates: “O que Platão vai dizer é falso”
Platão: “Sócrates acaba de dizer uma verdade”.

Nenhuma das sentenças pode ser verdadeira, e nem falsa; nesse caso, a causa do paradoxo é a referência cruzada ou circular, e não a auto-referência. Mas nem mesmo a circularidade da referência é sempre responsável pelos paradoxos: uma simples mudança no diálogo entre Sócrates e Platão (basta trocar “falso” por “verdadeiro” e vice-versa) elimina o paradoxo, embora a circularidade continue presente.

Na realidade, um dos problemas lógicos mais difíceis é determinar quais são as condições que geram paradoxos, além das tentativas de eliminar, solucionar ou controlar os já existentes. Este problema é, em muitos casos, insolúvel, e tal fato tem obviamente um enorme significado para o pensamento científico em geral, e para a lógica em particular.


Extraído de Lógica e aplicações: Matemática, Ciência da Computação e Filosofia
(Versão Preliminar - Capítulos 1 a 5)
Carnielli, Coniglio e Bianconi

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